Novos casos foram registrados em Israel e no Malaui e servem como razão de alerta para a vulnerabilidade do Brasil, onde mais de 3 em cada 10 crianças não foram imunizadas em 2021.
A meta é ter anualmente 95% de todas as crianças vacinadas contra a poliomielite, mas os dois recentes anos de pandemia registraram os piores índices desde 2012. As gotinhas que levaram à erradicação da paralisia infantil no Brasil não foram tomadas por mais de 3 em cada 10 crianças no ano passado.
A tendência de queda já era verificada anteriormente, mas se acentuou no período recente de pandemia. Negacionismo, falta de investimento e efeitos indiretos da pandemia estão entre os motivos apontados por especialistas ouvidos pelo g1, além da falta de conhecimento das novas gerações com os efeitos nefastos da doença, erradicada no Brasil há mais de 30 anos.
“Nós tivemos com a Covid um abandono das taxas de vacina, um abandono do programa [de imunizações] como um todo, mas a gente precisa retomar não só para a pólio, mas para várias outras doenças”, diz Renato Kfouri, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Cobertura vacinal contra a pólio no Brasil (2012-21)Dado considera as três primeiras doses, dadas no primeiro ano de vidaFonte: DataSUS
Para Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), a queda é consequência de medidas de gestão de saúde pública tomadas nos últimos anos.
“Caiu o financiamento da atenção básica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a gente viu um retrocesso em relação à cobertura das equipes de saúde da família. Para garantir a vacinação, tem que ter as equipes nos postos de saúde e as equipes para trabalhar na comunidade e fazer o controle de quem está vacinado ou não”, disse Salvador.
“No governo Bolsonaro a gente vê um desmonte do Programa Nacional de Imunizações. Inclusive, a pessoa que liderava saiu dizendo que não tinha recursos para fazer campanha. Então, a gente já tinha menos investimento para a atenção primária e para as campanhas e, partir disso, agora temos até movimento antivacina no Brasil”, complementou.
Na quarta-feira (9), o g1 entrou em contato com o Ministério da Saúde para entender quais medidas estão sendo tomadas para evitar a retomada da doença no Brasil. Até a mais recente atualização desta reportagem, não havia recebido posicionamento.
Tendência de queda na cobertura
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta dizendo que “os casos registrados de sarampo e poliomielite haviam aumentado em todo o mundo”. O g1 trouxe os dados daquele ano: a cobertura contra a pólio estava em 77%, ainda com tendência de queda.https://79c0fcab5ccd5feb7b08df5616165d3b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
À época, o Ministério da Saúde já informava que 312 municípios brasileiros estavam com baixa cobertura para a vacina contra a poliomielite e não haviam vacinado nem metade das crianças menores de um ano.
Desde então, o cenário piorou. E, de acordo com os infectologistas entrevistados pelo g1, não existe uma outra forma de frear a pólio: a vacina é a única proteção possível.
Considerando todas as doses, a cobertura vacinal era de 96,55% em 2012. Em 2021, caiu para 59,37%. A mais baixa foi a da dose de reforço dada aos 4 anos: apenas 52,51% das crianças receberam essa dose no ano passado, segundo os dados computados no DataSUS até 6 de março. A OMS recomenda que o índice seja de 95%.
O alerta vermelho passa a soar, de acordo com especialistas, com novos casos registrados pelo mundo. Segundo Kfouri, a versão selvagem do vírus já circulava em dois países: Paquistão e Afeganistão. Nas últimas semanas, novos casos foram detectados em Israel e no Malaui.
O Ministério da Saúde de Israel informou no domingo (6) um novo caso de poliomielite em uma criança de 4 anos em Jerusalém. O paciente não estava imunizado contra a doença, apesar da vacina fazer parte do calendário de rotina do país.
FONTE G1