Pesquisa, que ainda precisa ser submetida ao sistema CEP-Conep e à Anvisa, quer avaliar segurança e eficácia do tratamento em pacientes com linfoma não-Hodgkin de células B.
Hemocentro de Ribeirão Preto integra estudo clínico com Butantan sobre segurança e eficácia de tratamento contra o câncer — Foto: Reprodução/EPTV
CAR-T Cell: entenda estudo que pretende acelerar produção de terapia genética contra o câncer com células do paciente
Pesquisa, que ainda precisa ser submetida ao sistema CEP-Conep e à Anvisa, quer avaliar segurança e eficácia do tratamento em pacientes com linfoma não-Hodgkin de células B.
Por Vinícius Alves, g1 Ribeirão Preto e Franca
17/06/2022 05h02 Atualizado há 2 horas
Hemocentro de Ribeirão Preto integra estudo clínico com Butantan sobre segurança e eficácia de tratamento contra o câncer — Foto: Reprodução/EPTV
O Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) e o Instituto Butantan elaboram um estudo clínico que pretende avaliar a segurança e a eficácia do tratamento com CAR-T Cell em pacientes com linfoma não-Hodgkin de células B. A ideia é poder acelerar a produção da terapia genética que usa células de defesa do organismo do próprio paciente em dois centros de pesquisa anunciados pelo Governo de São Paulo na última terça-feira (14).
Um dos centros fica em São Paulo e foi entregue na terça. O outro em Ribeirão Preto (SP), que vai ser inaugurado no campus da USP na segunda-feira (20). A proposta é que, juntos no futuro, possam produzir a tecnologia de tratamento para até 300 atendimentos ao ano. As duas estruturas aguardam a chegada de insumos e equipamentos vindos de outros países para iniciarem a produção.
No Brasil, sete pacientes com linfoma ou leucemia já fizeram uso do tratamento com CAR-T Cell de forma compassiva, isto é, quando, em um estágio muito avançado da doença e diante da não eficácia dos métodos convencionais, como quimioterapia e radioterapia, a tecnologia torna-se a última alternativa de tratamento, desde que seja feita por decisão médica.
Seis foram atendidos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e um no HC de São Paulo. São cinco homens, com 27, 28, 36, 40 e 64 anos, e duas mulheres, de 13 e 25 anos.
A produção da tecnologia foi feita em Ribeirão Preto, segundo o diretor médico do laboratório de terapia celular do Hemocentro da cidade Gil Cunha de Santis.
“Na verdade a gente até está fazendo em Ribeirão, não no prédio do Hemocentro, mas para tratamento compassivo. São sete pacientes que já foram tratados em produção pontual, aqui, ali. A gente está fazendo por causa dessa necessidade de pessoas que precisam de alguma coisa, não tem tempo de esperar”.
Centro de produção de terapia genética contra o câncer em Ribeirão Preto, SP — Foto: Reprodução/Butantan
Nesta reportagem você vai ler sobre os seguintes itens:
- O que é CAR-T Cell?
- Por que o estudo foca em pacientes com linfoma não-Hodgkin de células B?
- Em que estágio está o estudo clínico?
- Quem serão os voluntários?
- Como o estudo pode ajudar na produção em larga escala da tecnologia?
- 1. O que é CAR-T Cell?
O tratamento é resultado de estudos do Centro de Terapia Celular (CTC-Fapesp-USP) de Ribeirão Preto. Em 2017, a técnica foi aprovada pela FDA, agência reguladora dos Estados Unidos. No Brasil, A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em abril deste ano o registro de um segundo produto para terapia gênica.
A terapia tem como base os linfócitos T, células de defesa do corpo que são isoladas e reprogramadas para identificar e combater o câncer e acontece em etapas:
- coleta de sangue do paciente
- isolamento dos linfócitos T da amostra
- ativação e multiplicação dos linfócitos T em laboratório
- criação das células CAR-T por meio do contato entre os linfócitos e um vetor viral inofensivo ao organismo que identifica receptor de células cancerígenas
- congelamento e controle de qualidade das células CAR-T
- aplicação das células por meio de transfusão de sangue
- O processo de modificação dos linfócitos será feito nos centros em São Paulo e Ribeirão Preto.
2. Por que o estudo focou em pacientes com linfoma não-Hodgkin de células B?
O linfoma não-Hodgkin de células B, mais agressivo, é um câncer no sistema linfático que afeta o linfonodo, que é um gânglio, e se espalha para outras partes do organismo, podendo levar o paciente à morte.
Tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia, muitas vezes não conseguem amenizar os efeitos da doença no ser humano, segundo o diretor do Hemocentro de Ribeirão Preto.
De Santis explica que o estudo focou nessa doença porque ela expressa, na superfície da célula, uma substância chamada CD-19, que, até o momento, é a única que os pesquisadores conseguem combater com os linfócitos T, modificados geneticamente.
“A gente ainda não tem outros alvos. Claro que, em um futuro próximo, será nosso objetivo, tratar doenças que tenham outros tipos de alvo. A gente, por enquanto, vai começar com o CD-19 para depois expandir para outras doenças”.
As células T são um tipo de linfócito, células de defesa do sistema imunológico presentes no sangue — Foto: Science Photo Library/BBC
3. Em que estágio está o estudo clínico?
O estudo clínico é de fase um e deve ser enviado para aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que faz a apreciação técnica, nas próximas semanas, segundo de Santis.
A análise deve demorar alguns meses e, por conta disso, o início da pesquisa na prática deve começar somente no final do ano.
“Ele ainda não foi submetido porque a gente ainda está fechando o estudo, fechando protocolo (…) É o que a gente chama de estudo fase um fase dois. O foco é segurança, mas a gente também avalia eficácia”, disse o diretor do Hemocentro de Ribeirão Preto.
4. Quem serão os voluntários?
Segundo o pesquisador, são 30 voluntários escolhidos para o estudo clínico, que será feito em três centros: Hospital das Clínicas da USP em São Paulo, Hospital das Clínicas da USP em Ribeirão Preto e Hospital das Clínicas da Unicamp, em Campinas.
Segundo de Santis, 40% dos pacientes do linfoma não-Hodgkin de células B têm recaída com o tratamento convencional, com quimioterapia e radioterapia. A proposta do uso de CAR-T Cell é ser uma alternativa mais eficaz.
“O que a gente propõe não é substituir o tratamento convencional, que é eficaz, que cura 60% dos pacientes. Isso continua sendo feito. [O uso] Seria em uma recaída ou se o tratamento convencional não surtir efeito, o que ocorre em 40% dos pacientes. Aí começam os problemas, porque há outros tratamentos disponíveis, mas nada muito bom. A CAR-T é mais eficaz que os tratamentos convencionais”.
Hospital de Clínicas (SP) da Unicamp é um dos centros do estudo clínico do CAR-T Cell — Foto: Reprodução/EPTV
De acordo com o diretor do Hemocentro, os centros podem aceitar pacientes encaminhados de fora, que não necessariamente tenham passado por atendimento inicial nas unidades selecionadas.
“Os pacientes são tratados na mesma cidade. Se não deu certo o primeiro tratamento, muitas vezes o paciente é encaminhado para cá, muitas vezes quando o médico sabe que tem um estudo em andamento, e vai saber, porque a gente vai divulgar isso oportunamente. Acho até que vamos receber muitos pacientes, porque tem muitos pacientes, mas aí tem uma limitação do estudo clínico, de número”.
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto participa de estudo sobre CAR-T Cell — Foto: Reprodução/EPTV
5. Como o estudo pode ajudar na produção em larga escala da tecnologia?
De acordo com o diretor do Hemocentro de Ribeirão Preto, o estudo clínico e a produção em larga escala anunciada nessa semana pelo Butantan e o Governo de São Paulo são interdependentes.
“Esse estudo vai nos proporcionar, entre outras coisas, também aquecer os motores para a produção em larga escala. Uma coisa beneficia a outra”.
A projeção para avançar com o tratamento por CAR-T Cell no Sistema Único de Saúde (SUS), já que hoje o custo é de US$ 500 mil [cerca de R$ 2,5 milhões] por paciente, e de forma não compassiva, é para 2023, segundo de Santis. De acordo com ele, o estudo vai mostrar os dados necessários para o registro final da tecnologia na Anvisa.
“Nosso interesse aqui, mais adiante, é fazer em larga escala, principalmente até fora de estudo clínico. Estudo clínico é limitado por tempo, por número de pacientes. O que a gente quer é oferecer, mais adiante, esse produto para pacientes que não têm acesso a ele, porque é um produto muito caro. A gente quer oferecer isso para pacientes do Sistema Único de Saúde”.
FONGTE G1