Enquanto ele devora o petisco, pare um momento para refletir sobre tudo que o seu cão lhe propicia. Talvez seja você, caro dono, que está ganhando um presente: uma boa saúde.
Se você tiver um cachorro e disser para ele que hoje é o Dia Nacional do Cão, desconfio que ele dirá: “Eu achava que todo dia fosse o dia do cão! Cadê o meu presente?
Cães e saúde cardiovascular
Uma análise de quase quatro milhões de pessoas realizada em 2019 nos Estados Unidos, Canadá, Escandinávia, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido constatou que ter um cão está associado a uma redução de 24% na morte precoce por qualquer causa. Quando os indivíduos já haviam sofrido um infarto ou um derrame, ter um cão mostrou-se ainda mais benéfico; eles tiveram uma probabilidade 31% menor de falecer por doenças cardiovasculares.
O estudo foi criticado por não levar em consideração outras doenças, status socioeconômico e outros fatores que podem interferir nos resultados.
No entanto, outro grande estudo publicado na mesma época demonstrou que donos de cães tiveram melhores resultados na saúde após sofrer um grande problema cardiovascular, como um ataque cardíaco ou um derrame.
O benefício foi maior para os donos de cães que moravam sozinhos. Sobreviventes de ataque cardíaco que moram sozinhos com cães tiveram um risco 33% menor de morte em comparação com sobreviventes que não tinham cães. Sobreviventes de derrame que moram sozinhos com um cão tiveram um risco de morte 27% menor.
A American Heart Association, a associação norte-americana do coração, lista redução do diabetes com um dos benefícios para a saúde decorrentes de se ter um cão. “Pessoas que levam seus cães para passear regularmente correm um terço do risco de ter diabetes do que aquelas que não têm cachorro”, afirma a associação.
Além disso, um cão (ou outro animal de estimação) pode oferecer um suporte social e emocional importante e é um “poderoso indicador de mudanças de comportamento que podem levar à perda de peso”, comenta a associação.
É claro que esses benefícios cardiovasculares são relacionados apenas a cães, não a gatos, cavalos, esquilos e similares. Muitos sugerem que a possível exposição a exercícios físicos explica o benefício: a associação norte-americana do coração aponta estudos que constataram que indivíduos que levam seus cães para passear fazem até 30 minutos a mais de exercícios por dia do que aqueles que não caminham com os cães.
Porém, em uma entrevista anterior à CNN, a doutora Martha Gulati, que é a editora-chefe da CardioSmart.org, a plataforma de educação do paciente do American College of Cardiology, uma associação norte-americana do coração, disse que não há um consenso sobre o motivo.
“É o cachorro ou são os comportamentos?”, pergunta Gulati. “É porque você está se exercitando ou é porque há uma diferença no tipo de pessoa que escolheria ter um cão em comparação com alguém que não o faria? Essas pessoas são mais saudáveis ou mais ricas? Não sabemos dizer.”
Ainda assim, embora “estudos não randomizados não possam ‘comprovar’ que adotar ou ter um cão leva diretamente à redução da mortalidade, essas constatações com certeza ao menos sugerem isso”, disse o Dr. Glenn Levine, presidente do grupo de redação da declaração científica sobre ter animais de estimação da American Heart Association, à CNN em uma entrevista anterior.
A associação sugere várias maneiras de se tornar ativo com seu cão a tiracolo:
- Leve seu cachorro para fazer um piquenique. “Prepare alguns lanches saudáveis, como frutas, vegetais, castanhas sortidas e bastante água (inclusive uma tigela para o filhote). Leve uma bola ou outros brinquedos divertidos”, aconselha a associação.
- Acompanhe seus filhos e cachorro nas fontes e chafarizes. “Quando estiver calor, pegue roupas de banho e protetor solar e corra pelos chafarizes com seus filhos e seu cãozinho”, sugere a associação, ou vá nadar em uma praia ou piscina que aceita cães.
- Participe de caminhadas locais para arrecadação de fundos ou corridas divertidas que incluam cães ou brinque de jogar bolinhas para o seu cão ir buscá-las, aconselha a AHA. “Mesmo com apenas 10 ou 15 minutos, você e seu cão terão um tempinho para se exercitar e criarem uma conexão maior.”
Contudo, a associação também adverte que ter um animal de estimação é um compromisso que vem acompanhado de alguns custos financeiros e responsabilidades, portanto “o objetivo principal da adoção, resgate ou compra de um animal de estimação” não deve se resumir ao risco cardiovascular.
Puxando nossas pernas (ou coleiras)
Eles são mais do que cães, é claro. Ter um animal de estimação de qualquer tipo traz um círculo de amor para nossa vida; eles dão carinho, nós os retribuímos, e todos nós nos tornamos melhores por isso.
A ciência concorda.
“Tenho uma lista de 10 benefícios para a saúde que os estudos mostraram que os donos de animais de estimação têm”, disse o psicólogo Harold Herzog, um professor da Western Carolina University que adora animais de estimação e há muito tempo estuda a conexão entre humanos e animais, em uma entrevista anterior da CNN.
“Maiores taxas de sobrevivência, menos ataques cardíacos, menos solidão, melhor pressão arterial, melhor bem-estar psicológico, menores taxas de depressão e níveis de estresse, menos consultas médicas, autoestima mais elevada, melhora do sono e mais atividade física” são apenas alguns dos benefícios de se ter um animal de estimação, afirma Herzog.
Mas aí vem algo chocante…
Herzog também menciona estudos que demonstraram que donos de animais de estimação “são mais propensos a se sentirem sozinhos, deprimidos e terem ataques de pânico, além de serem mais propensos a ter asma, obesidade, pressão alta, úlceras gástricas, enxaquecas e usarem mais medicamentos, entre outros.”
O que está acontecendo?
Como costuma ocorrer na ciência, os estudos tiveram resultados mistos. Algumas pesquisas mostram benefícios em se ter um animal de estimação, ao passo que outros estudos dizem que não há nenhuma diferença entre a saúde de quem tem e de quem não tem animais de estimação. Outras pesquisas também sugerem que pode até haver efeitos negativos sobre ter um animal de estimação (e não queremos dizer apenas ter que recolher cocô no quintal).
“Muitos de nós que têm animais de estimação pensam: ‘Ah, eles devem ser todos bons para nós’, comenta Megan Mueller, codiretora do Instituto Tufts para Interação Humano-Animal em uma entrevista anterior.
“Estamos descobrindo que é um pouco mais complicado do que pensávamos anteriormente”, acrescenta. “Sempre digo que esta pergunta não é muito boa: ‘Nossos animais de estimação são bons para nós?’
Seria melhor perguntar: para quem os animais de estimação são bons, em que circunstâncias, e será que a pessoa e o animal de estimação combinam?Megan Mueller
Ansiedade e humor
Segundo Mueller, os donos com certeza acreditam que seus animais de estimação oferecem apoio emocional, sobretudo em momentos de estresse, e felizmente a ciência parece confirmar isso.
“Algumas pesquisas mostram que ter um animal de estimação ao seu lado durante um evento de ansiedade pode ajudar a reduzir o estresse da situação”, explica ela.
“Os estudos têm mostrado repetidamente que o bom humor das pessoas aumenta e o mau humor diminui quando estão perto de animais de estimação”, diz Herzog. “Então sabemos que há benefícios imediatos de curto prazo, tanto fisiológicos como psicológicos, na interação com animais de estimação. Não tenho dúvida disso.”
Mas isso ainda não pode ser dito em relação a depressão.
Herzog mencionou 30 estudos sobre o tema: dezoito deles não mostraram nenhuma diferença nas taxas de depressão entre pessoas com e sem animais de estimação; cinco concluíram que ter um animal de estimação aliviou os sintomas da depressão; cinco constataram que animais de estimação agravaram a depressão; e os restantes foram inconclusivos.
Um estudo com idosos conduzido por Mueller demonstrou que os donos de animais de estimação tinham uma probabilidade quase duas vezes maior de ter tido depressão no passado, mas não relataram depressão na semana anterior. Eles adquiriram um animal de estimação e depois ficaram deprimidos ou o animal ajudou a acabar com a depressão? Não ficou claro.
Terapia e apoio emocional
Um dos motivos pelos quais a ciência é tão incerta em relação a animais de estimação e nossa saúde é que é quase impossível realizar estudos ‘padrão ouro’ – um estudo clínico randomizado em que o pesquisador controla todos os fatores e, em seguida, atribui aleatoriamente um animal de estimação para o grupo de teste.
“De fato, é difícil realizar estudos randomizados porque a maioria das pessoas quer escolher ter ou não um animal de estimação e qual será o animal”, diz Mueller.
Apoiados por uma parceria de nove milhões de dólares entre o Departamento de Desenvolvimento e Comportamento Infantil do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e o Instituto de Ciência de Cuidado Animal Waltham do Reino Unido, alguns pesquisadores começaram a desenvolver estudos melhores para determinar se são os animais que causam o impacto.
Um estudo de 2015 revelou que crianças com TDAH que liam para animais reais demonstraram melhora em compartilhar, cooperar e se voluntariar e em problemas comportamentais do que crianças com TDAH que liam para um bicho de pelúcia. Outro estudo constatou que crianças autistas ficam mais calmas e interagem mais na presença de porquinhos-da-índia do que com brinquedos.
Um estudo randomizado realizado na Vanderbilt University em Nashville, Estados Unidos, deu às crianças acesso a cães de assistência emocional pouco antes de elas serem submetidas a tratamento do câncer. Todas as crianças gostaram disso, mas não houve queda nos níveis de ansiedade entre o grupo de teste e o grupo de controle.
No entanto, os pais das crianças que tinham cães de assistência emocional apresentaram uma queda significativa na ansiedade relacionada à dor dos filhos e à capacidade de lidar com a situação.
Um estudo de 2020 evidenciou uma redução no estresse percebido e em outros sintomas de veteranos com TEPT que levavam cães de abrigo para passear. Claro, caminhar é um exercício, e o exercício reduz o estresse, mas o estudo também descobriu que a redução do estresse melhorou mais quando os veteranos caminhavam com os cães. Quem melhorou mais? Os veteranos com níveis mais elevados de sintomas de TEPT que caminhavam com cães de abrigo.
Animais de estimação como ‘medicina personalizada’?
Outro método de pesquisa que está sendo usado, conta Mueller, são os estudos longitudinais, nos quais um grande número de pessoas são acompanhadas por longos períodos de tempo. A esperança é que esses estudos e os experimentos cientificamente mais elaborados descubram razões mais precisas de por que um animal de estimação em particular pode – ou não – ser adequado para uma pessoa e suas necessidades.
Um dia, prevê Mueller, pode ser possível “prescrever” um cão para uma criança superativa, um adolescente problemático ou um paciente cardiovascular e saber – tanto quanto a ciência pode saber – qual será o provável resultado para a saúde deles.
Talvez finalmente tenhamos dados para embasar o debate “gato ou cachorro” ou apenas sobre como e por que um pássaro, peixe, lagarto ou esquilo pode aliviar nosso estresse e nos fazer companhia.
Até então, amigos amantes de cães (e gatos e outros animais de estimação), acho que teremos que nos ater ao que sabemos por intuição: animais de estimação são algumas das “pessoas” mais amorosas em nossa vida e isso, senão outra coisa, os torna bons para nós.
FONTE CNN BRASIL