Carlos Higa, de 72 anos, teve alta na segunda (4) do Hospital São Camilo; vaquinha criada pela família já arrecadou pouco mais de R$ 100 mil. Em nota, o hospital disse que internações de longa permanência podem resultar em valores altos, mas que a família era atualizada com frequência.
Carlos Massatoshi Higa, de 72 anos, quer vender sua banca de jornal na Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital paulista, para ajudar a pagar os R$ 2,6 milhões que deve para o Hospital São Camilo. Ele contraiu a dívida por ter ficado 191 dias internado com Covid-19, lutando contra a doença e suas consequências.
“Ele quer vender. Disse que quer descansar… Foram 21 anos trabalhando direto. Ele acha que não vai conseguir mais levar a banca e também para levantar mais algum valor para pagar a divida”, afirmou ao g1 a filha de Seu Carlos, Juliana Higa, que é professora da rede municipal.
Em nota, o Hospital São Camilo disse que internações de longa permanência podem implicar em valores notoriamente altos, mas que a família era atualizada constantemente (leia a íntegra da nota abaixo).
Seu Carlos da Banca, como é conhecido, é muito querido pela comunidade do entorno. De acordo com a filha, ele passou mal enquanto trabalhava em 27 de março deste ano e foi socorrido por vendedores ambulantes das redondezas. Diagnosticado com Covid-19, foi internado naquele dia e só teve alta na última segunda-feira (4). Além disso, a vaquinha que Juliana criou para levantar recursos para quitar a dívida teve apoio de amigos do pai que a filha nem conhecia.
“Recebemos doações de pessoas que nem conheço, mas que me escreveram contando que o conheciam da banca. Tem uma clínica médica muito famosa na frente da banca, então ele conhecia muita gente que frequentava ali”, afirma ela.
Apesar de ser conhecido no local, isso não se refletia nas vendas da banca de Seu Carlos, de acordo com a filha.
“Sinceramente não sei te dizer quanto ele tirava com a banca, se tem uma coisa que ele nunca me passou é quanto ele recebia. Sei que a banca já vinha dando um lucro menor [nos últimos anos] por conta de toda essa movimentação de internet e redes sociais, então a quantidade de venda de jornais diminuiu bastante. Tinha dia que ele me dizia que tinha ganhado R$ 50”, afirma.
Até as 14h40 desta quinta-feira, a vaquinha que Juliana criou para tentar pagar a dívida tinha arrecadado R$ 100.232,00. O valor quase dobrou desde que a história de seu Carlos foi publicada no g1, mas ainda está longe do necessário para quitar a dívida, e a família diz que não sabe o que vai fazer para pagar a conta.
“Estamos usando esse dinheiro para custear a última internação e para pagar vários custos de pós-internação. Não temos mais condições. Mas é uma vida e vida não tem preço”, afirma.
De acordo com Juliana, não havia vagas em hospitais públicos quando o pai precisou ser internado.
“Eu sei que estou devendo, estou preocupada, posso dizer inclusive desesperada. Confesso que ainda não sei como vou pagar. O importante é que ele está aqui. Eu realmente achei que ele não ia ficar com a gente. Eu vi meu pai entrando em coma. Os médicos desenganaram e não foi só uma e nem duas vezes. Foi uma luta surreal. Não tem como descrever”, afirmou, em conversa com o g1.
Carlos Massatoshi Higa posa com equipe do Hospital São Camilo, na Zona Norte, onde ficou internado por 191 dias devido à Covid-19 — Foto: Arquivo Pessoal
As economias da família já foram usadas e, apesar de ter tido alta, as sequelas de seu Carlos ainda inspiram cuidados – ele agora tem limitações na fala e nos movimentos.
Ele precisa, por exemplo, de fonoaudiologia para recuperar a fala, que ficou comprometida após tanto tempo com traqueostomia, procedimento cirúrgico realizado na região da traqueia, no pescoço, com o objetivo de facilitar a chegada de ar até os pulmões.
Além disso, ele precisa de fisioterapia para recuperar os movimentos das pernas, além de ter perdido a coordenação motora fina, o que o impede de realizar atividades como escrever. Para evitar aumentar ainda mais a dívida, a família tenta atendimento na rede pública.
“A gente não está se recusando a pagar, se tivéssemos [o dinheiro], teríamos pagado, mas esse valor é surreal para qualquer família de classe média. Sou professora, meu pai era dono de banca de jornal. Não temos condições”
A ideia de tentar uma vaga pelo Sistema Único de Saúde (SUS), aliás, não veio só agora. De acordo com Juliana, não havia vagas em hospitais públicos quando o pai ficou doente, em março deste ano.
“Meu pai foi internado no dia 27 de março. Foi bem naquela época em que teve um boom de internações por causa da variante de Manaus e faltou vaga em hospital público. Faltava até medicamento para intubação. No desespero, fomos direto para o particular, mas eu sabia que não tinha vaga no Hospital Geral Vila Penteado”, afirma.
“A gente entende que nas circunstâncias não tinha vaga, era público e notório que não havia vagas. Meu pai está vivo porque é forte, mas também porque teve o socorro necessário no hospital. Ele teve médico que acompanhou, ventilador, medicamentos”, conclui.
Foram mais de 100 dias com ventilação mecânica e traqueostomia e seu Carlos teve várias infecções hospitalares.
“Os médicos desenganaram várias vezes, falaram que o caso era complicado e que era para preparamos a família. Ele ainda teve de fazer hemodiálise constante com um equipamento chamado prisma, e o aluguel é caríssimo”, conta ela.
Seu Carlos tinha acabado de tomar a primeira dose da vacina CoronaVac quando foi diagnosticado com Covid. Mas o quadro dele foi se complicando, e a dívida, virando uma bola de neve.
“Ele ficou quatro meses na UTI e, quando voltou para o quarto, teve duas convulsões e um AVC e teve de voltar para a UTI. Saiu de novo dias depois, teve outra complicação e teve de voltar e aí foi outra semana na UTI”, relembra Juliana.
Depois da terceira alta da UTI, a família decidiu pedir a transferência do pai para um hospital público, de acordo com Juliana.
“Conseguimos uma vaga no Hospital do Mandaqui. Levei ele até lá e a vaga era para UTI Covid e ele não tinha mais Covid, mas tinha de tratar as complicações que essa doença tinha deixado. O próprio médico que nos atendeu me disse que, se fosse o pai dele, não deixaria lá. O risco era ele pegar Covid de novo! No mesmo dia, voltamos para o Hospital São Camilo. Nesse vai e vem, somou essa quantia”, afirma.
Depois que seu Carlos ficou mais estável, os médicos sugeriram que ele fosse transferido para uma instituição de retaguarda, também do Hospital São Camilo, mas na Granja Viana, na Zona Sul. Só a diária da unidade que ele estava custava R$ 5 mil e a diária na instituição seria bem mais em conta, além de mais adequada para o tratamento. Juliana conta que a família tinha algum dinheiro guardado, mas não esperava que a internação fosse durar tanto tempo e que a dívida ficaria tão alta.
“Meus pais juntaram dinheiro a vida inteira, deixaram de pagar o convênio médico, mas juntaram o dinheiro que pagariam por ele. O que a gente não achou é que fosse durar todo esse tempo a internação”, conta.
Em nota, o Hospital São Camilo disse que internações de longa permanência podem implicar em valores notoriamente altos, mas que a família era atualizada constantemente:
“A Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo oferta serviços particulares de forma transparente e com custos compatíveis com o mercado. O acometimento por Covid-19, no entanto, pode implicar em internações de longa permanência, com valores notoriamente altos. No caso em questão, as informações eram atualizadas constantemente à família. A instituição reforça sua missão de cuidar e valorizar a vida, priorizando a excelência dos serviços prestados, e segue à disposição para quaisquer esclarecimentos.”https://04d90f1aca1c560ef883f078d7886071.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
FONTE G1